TREINO PESADO

Treino pesado
Treinar pesado sempre foi uma constante de quem gosta do esporte e do mesmo jeito acabou se tornando o paradigma de quem não conseguia resultados, o mais conhecido: se você não treina pesado, não tem resultados, que hoje popularizamos e adaptamos para o 'no pain no gain'.

Para confirmar tal tendência nos anais da história ficou a frase de um lutador, chamado Alexander Karelin: “Eu treino em todos os dias da minha vida como você nunca treinou sequer um dia da sua”. Ele foi somente o maior lutador de wrestling da história, com 3 títulos olímpicos em 13 anos de invencibilidade em campeonatos nacionais e internacionais, mas infelizmente faltou ele explicar o que é que é treinar pesado de fato.

O bodybuilding precisa ser analisado segundo padrões característicos do esporte porque treinar pesado pode ter uma série de interpretações e nesta oportunidade vamos discutir fisiologicamente e biomecanicamente a função de cada tipo de treino para o bodybuilder e quais os benefícios e riscos que cada tipo de treino acarreta.

Primeira pergunta: preciso treinar pesado?

Sim, precisa. Treinar pesado significa ativar adequadamente o músculo para que este alcance um limiar de modificação da sua força ou capacidade de retenção de nutrientes. Podemos entender estas duas grandezas como capacidade de recrutamento neuromuscular – o numero máximo de células musculares você consegue utilizar num único comando de contração – e capacidade de recrutamento sequencial de sarcômeros, o que faz com que você consiga reter mais nutrientes intramusculares e diante de uma dieta adequada, pode significar mais volume e densidade musculares.

Quanto preciso treinar pesado? Há algum modelo a seguir?

Esta é outra situação que torna o treinador fundamental: o principio da individualidade, que entende que pessoas diferentes diante de um mesmo estímulo tem resultados diferentes. Bodybuilding não é receita de bolo, é por isso que batalho tanto pela criação da cultura de se ter um treinador pessoal: somente um profissional competente e atento, que acompanhe o esportista, é capaz de reagir modificando as variáveis de treino em ordem de manter o ganho constante.

Treinar pesado é colocar muito peso?`

Às vezes sim. Veja, trabalhar a resistência de um músculo que não tem força, isto é, não tem função neurológica adequada é como achar que se você colocar uma roupa de bombeiro numa bailarina vai ensiná-la a apagar incêndios (ou vice versa... porque duvido que um bombeiro, por melhor que seja, consiga dançar o lago dos cisnes só por intuição ao estar vestido de bailarina).

Em determinadas épocas do ano, e cada treinador tem seu protocolo, mesmo os esportistas mais tímidos tem de treinar exercícios de base, educativos e claro, força. Sendo assim, a força a ser treinada não significa o número de kilogramas a serem levantados, e sim a capacidade individual de cada um em trabalhar além do seu limite, que pode ser um sujeito que faz 200kg de supino treinar com 240kg ou um outro que suporta 10kg de supino treinar com 14kg, entendeu? É relativo: cada qual tem seu limiar e capacidade física individual, que precisa ser estimulado. Logo, não crie imagens falsas.

Treinar força é necessário para qualquer um que pratica atividades físicas em determinadas épocas do ano, e o objetivo não deve ser uma kilogramagem, e sim atingir o seu limite. (Mas se você tem interesse em saber, alguns treinadores falam que índices atléticos de alta performance giram em torno de um supino com o dobro do peso corporal e um agachamento em torno de 3x o peso corporal para 1RM).


Mas não vou me machucar?

O risco de lesão é inerente de cada esporte. E sabe quem é meu maior paciente de trauma esportivo? O homem que não “faz academia” por que tem medo de se machucar mas bate uma bola com os amigos. É típico! Na terceira ou quarta mudança de sentido correndo no campo: bum! Vai embora mais um ligamento cruzado anterior do joelho, cujo tratamento definitivo é a reconstrução cirúrgica artroscópica. Se ele soubesse que o joelho não treinado acaba por colocar excesso de stress em suas estruturas estabilizadoras estáticas (ligamentos e meniscos) em vez dos dinâmicos (da massa muscular) por estes serem insuficientes, com certeza iria gastar um tempinho na sala de pesos.

Quer dizer que todo mundo precisa treinar forte?

Quem quer ter uma atividade física regular precisa de fato treinar, e treinar subentende que você precisa desenvolver diversas aptidões, inclusive e principalmente força. Mas veja, tal trabalho precisa de orientação. São técnicas extremamente específicas com limites extremamente precisos para se chegar ao máximo sem se lesionar.

Mas sempre me falaram que faz mal para os tendões e articulações.

De fato. Num treinamento com alta carga você sobrecarrega articulações e tendões, mas lembre-se: para haver desenvolvimento deve haver períodos adequados de descanso e reparação em ordem de você poder ganhar com a adaptação realizada pelo organismo, que não é imediata e necessita de um tempo adequado e individual para se processar. Ainda que existam protocolos que orientem determinados períodos para se treinar força, nada como um professor para avaliar para você o que é melhor.

No nosso serviço por exemplo, recomendamos trabalhos de força divididos ao longo do ano em 3 a 4 períodos de 4 a 6 semanas de treinamento de força. Esta é uma forma que escolhemos pela segurança, existem várias, mas o que não abrimos mão é que nosso paciente seja supervisionado e treinado por um professor de educação física apto para o serviço, até porque esta é uma parte do treinamento muito delicado, e se você pensa que medicina tem muitas especialidades, deveria ver educação física fora do Brasil.

Mas qual a função de se treinar pesado fisiologicamente falando?

É a seguinte: o físico ideal a ser construído é proporcional ao trabalho que é capaz de realizar numa sala de pesos. Só que o tempo de trabalho deve ser limitado devido ao fator capacidade de regeneração: períodos prolongados na sala de pesos podem fazer com que se torne impossível do músculo se regenerar a contento e dessa forma não só estabilizamos nossos ganhos como começamos a ter perda deles. Então como podemos aumentar nossa capacidade de trabalho (no sentido físico da coisa) sem aumentar o tempo na academia? A resposta é aumentando a intensidade, que pode ser entendida por aumento de peso, por exemplo.

O problema é que o aumento de peso deve ser feito com um treinamento específico para isto, que é o treinamento de força. Assim, atingindo uma força critica, podemos voltar ao treino de resistência anaeróbica e metabolismo em ordem de volumizar o músculo (sempre lembrando do fator dieta nesta situação que é mais da metade do trabalho.).

Treinar pesado então significa treinar com mais peso e só?

Não. Treinar pesado é treinar intenso. Aumentar o peso significa aumentar o componente força, que é algo crucial para o bodybuilder poder atingir níveis de trabalho sobrehumanos e assim desenvolver uma massa muscular exuberante. Treinar pesado, no caso de resistência anaeróbica por exemplo, é conseguir fazer seu músculo atingir a falha, o que é muito, muito difícil.

Exatamente então do que falamos quando falamos em treinar pesado mas com pouco peso?

Por exemplo é treinar dois ou três exercícios em seqüência, as famosas bi-sets e tri-sets. É trabalhar variações biomecânicas de um mesmo exercício e também variar intervalos. Uma técnica que vem tornando se mais popular é a de períodos de recuperação curtos, por exemplo: imagine que você quer fazer 60 a 90 segundos de contração muscular e para isso calcula 30 repetições. Agora imagine que gostaria de fazer com um peso X, mas que é inviável porque só é capaz de fazer com um peso X-1. O que fazer? Que tal fazer blocos de 10 repetições, com 6 a 10 segundos de intervalo entre estes blocos de 10 repetições? Não chega a ser uma pausa regenerativa completa, mas é suficiente para você conseguir retomar o trabalho, e de uma maneira fisiológica, burlar a fadiga e aumentar a sua capacidade de trabalho. Isso é pesadíssimo!

Mas meus amigos me falaram que viram que esse lance de inclinar o banco, mudar posição de pegada é bobagem.

Depende, se você estiver trabalhando com um paciente que dispõe de uma consciência corporal madura, a variação biomecânica aumenta dramaticamente a capacidade deste em isolar um músculo no trabalho com pesos, logo de fato existem exercícios para iniciantes e outros que são para veteranos de treino.

Isolamento? Que é isso e pra que serve?

Bom, então vamos terminar por aqui com esta última explicação. Quando treinamos força, treinamos preferencialmente aptidões neurológicas como recrutamento neuromuscular e coordenação intermuscular, porque estas estão ligadas a sua capacidade de realizar o movimento com uma alta carga.

Capacidade esta que será aproveitada para, quando voltarmos ao treino de RML (resistência muscular localizada), sejamos capazes de realizá-lo com mais carga que conseguíamos previamente, isto em ordem de amplificar nossa quantidade de trabalho e assim remodelar nosso corpo seguindo a proporcionalidade capacidade de trabalho-aparência física. Logo, isto também define a escolha dos seus exercícios: força pede exercícios multiarticulares e multimusculares, onde o que é privilegiado é a realização do movimento, portanto altas cargas são bem vindas.

Treinos de RML com exercícios concentrados trabalharemos outra coisa: o conceito de consistência da contração muscular, que é a fundamentação dos treinadores de bodybuilders mais famosos. A consistência da contração muscular nada mais é que o privilégio da contração isolada de um músculo frente a realização de determinado movimento que, se realizado com mais carga pedirá determinados músculos acessórios trabalhando paralelamente que diminuíram o foco de trabalho do músculo desejado. Portanto, mesmo o treino concentrado com pouco peso pode ser um treino muito forte, claro que se realizado adequadamente.

Nessa oportunidade vou ficando por aqui, ainda que sinta que muita coisa ficou para ser discutida. Mas nos veremos com freqüência e se precisarem de algo, não exitem em nos procurar.

Fonte: Dr. Paulo Cavalcante Muzy / superperformance.blogspot.com.br

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